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Marcelo Oliveira: Uma Década Após o Bicampeonato e Reflexões Sobre a Carreira

Por Redação Raposa Azul em 22/12/2024 05:02

Aos 69 anos, Marcelo Oliveira desfruta de uma vida mais calma em Belo Horizonte, distante dos gramados há quatro anos. Em uma conversa exclusiva, o ex-técnico, consagrado por trabalhos memoráveis em Coritiba, Cruzeiro e Palmeiras, compartilhou memórias do bicampeonato conquistado com a Raposa há uma década, além de analisar outros momentos cruciais de sua trajetória.

Início da Carreira e Ascensão no Futebol

Antes de se consolidar como um dos técnicos mais vitoriosos do futebol brasileiro, Marcelo Oliveira teve uma carreira de sucesso como jogador. Ídolo do Atlético, com passagens pela seleção brasileira como meio-campista, ele encerrou sua jornada nos gramados em 1985. Sua trajetória como técnico teve início em 2001, nas categorias de base do alvinegro de Belo Horizonte.

Após experiências como interino no Atlético, Marcelo passou por CRB, Ipatinga e Paraná, até chegar ao Coritiba, onde sua carreira decolou. Após 132 jogos e um recorde de 24 vitórias consecutivas, o técnico teve uma breve passagem pelo Vasco antes de chegar ao Cruzeiro .

A Chegada ao Cruzeiro e a Conquista do Bicampeonato

Na Toca da Raposa, Marcelo superou a desconfiança inicial da torcida, devido ao seu passado no rival, e se consagrou bicampeão nacional em 158 partidas. ?Quando meu nome vazou, a primeira coisa foi a conexão com o rival. Aquilo me balançou. Em determinado momento, pensei até em aceitar outra proposta, porque já tinha mais clubes sondando.?, revelou o técnico sobre o início da jornada.

Apesar da turbulência inicial, ele decidiu aceitar o desafio. "Ao mesmo tempo, eu pensei: 'Estou sendo contratado por um clube imenso, de estrutura grandiosa, com CT muito bom, capacidade de investimento, Alexandre Mattos, e não estão duvidando do meu caráter, da minha competência?. Falei: ?Vou fazer o meu trabalho, demonstrar o meu melhor trabalho?. E foi muito legal, porque a partir do primeiro jogo, na estreia, mudou completamente a forma de pensar do torcedor. A torcida acompanhou o ônibus até o Mineirão, e eu vi que a torcida estava abraçando o projeto, e foi assim durante todo o tempo.?, contou Marcelo sobre a virada de chave.

A Importância de Éverton Ribeiro e Outras Contratações

Além dos dois títulos brasileiros, Marcelo também conquistou um Campeonato Mineiro, considerando essa sua melhor passagem por um clube. Everton Ribeiro, peça fundamental nesse sucesso, foi uma contratação solicitada pelo técnico, com quem já havia trabalhado no Coritiba. "A minha história com o Éverton é muito legal. Eu estava no Coritiba, sempre me concentrava com os jogadores e assistia aos jogos da Série B no sábado. Ele jogava no São Caetano e, por acaso, jogava com meu genro, o Eduardo, que era centroavante. Algumas vezes ele jogava pela direita no São Caetano." relembrou Marcelo .

Marcelo explicou como observou o jogador: "Ele fez algumas jogadas que me chamaram atenção, e eu perguntei ao Eduardo sobre ele. O Eduardo me disse que ele realmente era muito acima da média, um jogador que valia a pena acompanhar. Eu indiquei ao Coritiba. Ele chegou, começou no banco, mas sempre mostrando técnica muito apurada. Depois, os indicamos ao Cruzeiro ". E completou: "Dos quatro que indiquei, um era o Éverton. Ele foi crescendo cada vez mais, virou o jogador que todos conhecem. Mérito total dele, que treinava muito e era também uma grande pessoa.?

Reestruturação e a Saída do Cruzeiro

Outro jogador indicado por Marcelo foi Bruno Henrique, posteriormente multicampeão pelo Flamengo. O clube tentou a contratação em 2015, durante uma reestruturação após a venda de jogadores importantes como Lucas Silva, Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro. "Claro que a gente pode argumentar depois. Na época, a gente tinha que trazer um jogador de beirada mais rápido. Tínhamos três nomes, e eu lutei muito para trazer o Bruno Henrique, que estava no Goiás. Tinha também o Erick, o Clayton... eram três ou quatro nomes. Não conseguimos trazer o Bruno, fizemos opção por outro jogador, mas ele cresceu muito e virou esse jogador. Mas isso acontece com todos os clubes, técnicos e dirigentes, porque não tem como prever exatamente o que vai acontecer.?, explicou o treinador.

Após a reestruturação, Marcelo foi demitido após a eliminação na Libertadores de 2015. "É difícil um time encaixar tão rápido quanto nós encaixamos. Por isso temos uma certa tristeza, porque poderíamos ter ganho a Copa do Brasil de 2013. Estávamos ganhando aqui, com certa vantagem, e levamos um gol evitável. Lá, levamos um gol no final, que nos tirou pelo regulamento. Se tivéssemos passado, teríamos uma chance grande de ser campeão. Na Libertadores de 2014, a gente estava com bom elenco, um time que sabia o que fazer, mas acabamos saindo para o San Lorenzo, que foi campeão.", refletiu o técnico.

Reflexões Sobre o Bicampeonato e a Montagem do Elenco

Apesar das oportunidades perdidas, Marcelo valoriza as conquistas: "Perdemos essas duas oportunidades, mas não dá para lamentar muito diante do feito de dois campeonatos brasileiros. São poucos os clubes e treinadores que conseguem dois seguidos.?. Ele expressou sua satisfação ao relembrar os títulos de 2013 e 2014: ?Muito prazer e muita alegria relembrar os títulos de 2013 e 2014, por tudo que aconteceu. Praticamente não tivemos problemas no clube. Agregamos, aumentamos o número de sócios, vendemos camisas, jogadores foram vendidos por dez vezes o preço que foram comprados. Aliás, esse foi o mal... se a gente tivesse conservado aquela época, talvez ganhássemos ainda mais títulos. O futebol brasileiro tem esse problema, os times que têm êxito acabam vendendo, os jogadores ficam com vontade de ir para a Europa, o clube tem interesse de arrecadar. Tem mudado para alguns clubes. Foi emocionante, reviver esse momento é muito importante. Fazer parte da história de um grande clube e ter o trabalho reconhecido é gratificante.?

Marcelo também detalhou a montagem do elenco : "No início, na formação do elenco , eu trouxe uma lista de jogadores, o Alexandre outras. Depois, foi muito competente para buscar, cirurgicamente, jogadores que poderiam somar, e isso agregou muito. Claro que todo mundo quer jogar, mas a gente trazia aquela história: não mudou o regulamento, só jogam 11. Mas todos são importantes, não pode fazer um elenco com 15 ou 16. Quando chegar no final do ano, todo mundo ia ver que teria participado. O caminho era treinar mais e melhor, porque a oportunidade apareceria. A gente tinha um grupo de jogadores da base que era muito bem: Mayke, Élber, Alisson, Vinícius Araújo... tínhamos outros jogadores que vinham de clubes intermediários que queriam crescer, como Everton e Goulart. E a gente também tinha jogadores mais experientes, vencedores, como Borges e Dagoberto. Principalmente o Tinga. Era um grande jogador, participou pouco, mas no dia a dia foi muito positivo e ajudava nesse processo.?

A Discussão no Elenco e o Caso Júlio Baptista

Marcelo relembrou uma discussão "acalorada" entre os jogadores em 2013: "Eu lembro, sim. Os jogadores estariam de folga, eles vinham de uma sequência grande jogos, e eu dei uma folga maior. Jogo em Caxias, tinha que ir para Porto Alegre, pegar um avião para suas cidades e aproveitar a folga. Isso gerou uma irritação. Teve uma reunião logo em seguida, com uma discussão mais acalorada (risos). Eu achei ótimo, porque a partir dali nós usamos aquilo. Tudo muito calmo, nem sempre vai ser. A cobrança de um com outro pode ser saudável. A reunião foi mais dura, mas depois todo mundo saiu, fizemos o treino, fomos conversando a cada treinamento para a gente seguir em frente. A discussão acabou sendo favorável para a sequência.?

Sobre a passagem de Júlio Baptista, Marcelo explicou: "O Júlio tem um currículo, uma experiência imensa de Europa e grandes clubes. Chegou como uma estrela, um grande jogador, experiente, para nos ajudar. Mas, no mesmo moento, o Goulart crescia. Era uma válvula de escape, aquele jogador que não era driblador, mas aparecia toda hora para fazer gol. Era um jogador incrível, que entrada na hora certa para fazer os gols. Conversei com o Júlio, e ele queria sete jogos como titular para se adaptar melhor. Falei com ele: 'O Ricardo está muito bem, quem sabe você jogue mais adiantado, fazendo dupla com ele'. Ele não aceitou e, simplesmente, o Ricardo foi o melhor do Brasil na posição durante os dois anos, e eu não tive como fazer isso, embora o Júlio fosse extremamente técnico e com grande bagagem.?

Marcelo concluiu sobre Julio Baptista: "Eu acho que não (levou na boa). Ele se comportou bem, não me deu problemas, mas depois deu entrevista falando que eu não olhava para ele, não dava as oportunidades. Até me admirou, porque no dia a dia a gente sempre conversava. Ele não quis alternar a posição, o que às vezes acontece para você usar os melhores jogadores. Infelizmente, ele não quis.?

A Conquista da Copa do Brasil com o Palmeiras e o Pênalti de Prass

Marcelo também comentou sobre a conquista da Copa do Brasil com o Palmeiras: "Muito importante. Chegar à final três vezes, quase que consecutivas, não é fácil. Ainda mais por três clubes diferentes. A gente tinha estratégia boa de disputar a Copa do Brasil, porque é diferente. Nós soubemos fazer isso muito bem para chegar na final. Tinha uma vontade imensa de ganhar. Novamente, o murmúrio era de que o Santos seria melhor. Isso nos fortaleceu, nos deu a vontade de preparar ainda melhor ? fora de São Paulo, inclusive ? na semana da final. A gente poderia ter ganhado até sem os pênaltis, pela boa atuação. Trago como uma recordação muito boa."

Sobre a escolha de Fernando Prass para bater o pênalti decisivo, ele explicou: "Depois que passou, eu já vi várias histórias. O fato é que o Prass era um atleta intenso, que tinha uma liderança de postura grande, e era o primeiro a entrar em campo e o último a sair, todos os dias. Eu sempre treinei pênalti diariamente, independentemente de ter decisão. Ele começou a pedir para bater. Ficava no gol e pedia para bater. Dava uns chutes muito fortes. Eu falava que a única coisa que podia acontecer era o goleiro não pegar, mas a bola bater nele, então falava para tirar um pouco para o lado. O Paulo Nobre também falava que estava batendo bem, o próprio Alexandre também. No dia fomos colocando os cinco que poderiam bater, mas ficou faltando um, e ele se colocou à disposição. É sempre um risco. Se a gente perde com pênalti perdido pelo goleiro, a culpa seria do técnico (risos). Mas, como ganhamos, várias pessoas falaram que ele poderia bater. Foi sensacional, a torcida vibrou muito, e a gente esperava esse título há muito tempo.?

O Coritiba e a Mágoa no Atlético

Marcelo destacou a importância do Coritiba em sua carreira: "O Coritiba, na verdade, foi a oportunidade que eu tive de expandir o meu trabalho, meu nome, a nível nacional. Tinha passado pelo Atlético, mas de forma rápida, algumas vezes de forma interina. Encontrei um trabalho de Ney Franco, agreguei algumas coisas, e o Coritiba foi muito bem por dois anos. Foi campeão paranaense invicto, conquistou vitórias expressivas contra times importantes do Brasileiro, foi finalista da Copa do Brasil por dois anos, o recorde mundial de vitórias... sou muito grato ao Coritiba, sempre que posso falo isso, porque me abriu as portas para treinar outros grandes clubes. Eu tenho uma consideração imensa pelo Coritiba, e eu sinto que existe uma gratidão da mesma forma. Sempre que passei por Curitiba, fui muito bem recebido pelos torcedores, com uma palavra de carinho, de respeito, e realmente foi a partir dali que eu consegui mostrar mais o meu trabalho. Dois anos e meio, um tempo maior, e formamos um time muito forte, difícil de bater, embora não tenhamos conquistados títulos nacionais expressivos.?

Sobre a demissão no Atlético entre as finais da Copa do Brasil, Marcelo lamentou: "Fiquei sete meses no Atlético. Tivemos uma dificuldade imensa no início do trabalho, com vários jogadores machucados, e eu acho que isso foi consequência de uma pré-temporada mal feita. O Atlético tinha o hábito de levar o time para os Estados Unidos, então perde-se muito tempo, com jogos de diferentes interesses. Isso dificultou o início do trabalho. Engrenamos, e eu acho que obtivemos bons resultados em sete meses. Levamos o time direto para a Libertadores via Campeonato Brasileiro, disputamos a final da Copa do Brasil e perdemos para um time campeão da Copa do Brasil e da Libertadores, um time já formado.?

E concluiu: "No futebol acontecem coisas diferentes, às vezes emocionais ou fazendo uma justiça que não é compreensível. Claro que fiquei chateado, mas seguimos o nosso caminho.?

Os Desafios em Fluminense, Ponte Preta e Vasco

Ao ser perguntado se arrependia de ter assumido Fluminense e Ponte Preta em momentos conturbados, Marcelo respondeu: "É difícil, quando você está trabalhando como técnico, pelo prazer que temos de fazer o trabalho. Mas tem uma coisa que é fundamental e pouco falada: a formação de elenco , você ter a condição de formar elenco . Quando você pega no meio do campeonato, leva um tempo para conhecer os jogadores, às vezes um elenco sem equilíbrio." E acrescentou: "Eu participei do mal do futebol brasileiro, no geral, de aceitar esses convites, mas a gente quer sempre trabalhar e acreditando que vai dar certo.?

Sobre sua passagem rápida pelo Vasco, ele comentou: "Foi uma pena, porque o Vasco é um dos clubes com mais torcida no Brasil. Uma camisa muito pesada, tradicional, mas que estava muito desorganizado. Isso que me fez sair do clube, porque achei que não ia conseguir, naquele momento, no tumulto do dia a dia e geral.?

Avaliação da Carreira

Por fim, Marcelo fez uma avaliação geral de sua trajetória: "Minha carreira foi, até então, muito boa. Fiquei muito feliz com tudo que aconteceu. E digo que até surpreso, porque eu parei de jogar em 1985 e não quis ser técnico de base, mesmo sendo convidado. Voltei depois de 16 anos, em 2001, e com dois anos eu estava no time profissional do Atlético. No Atlético eu treinei o juvenil, os juniores, fui auxiliar técnico e técnico efetivo.?

E finalizou: "Treinei grandes clubes... Coritiba, Paraná, Cruzeiro , Atlético, Fluminense, Vasco, Palmeiras, Ponte Preta. Eu só tenho a agradecer. Uma carreira surpreendente para quem estava fora do futebol e voltou com oportunidade de ganhar títulos e trabalhar em grandes equipes."

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